quinta-feira, 25 de novembro de 2010

DESPOJOS DE NÓS


Algures no passado adorava escrever. As palavras eram a minha arma, o meu escudo, o lugar em que me sentia segura e onde podia deixar fluir o mar de emoções que existe em mim, um mar distante ao qual nunca conseguiste chegar, nem tão pouco vislumbrar da proa do teu barco… tu na verdade nunca olhaste para mim. Sabes deixei  de escrever e ao fechar esse porto de abrigo fechei também a minha alma, o coração. Ao longo destes últimos quatro anos caminhei por uma estrada que não era minha, que nem sequer era tua. 
Cada passo que dava sentia-me cada vez mais perto de um abismo. Hoje aqui, sosinha entre as paredes do meu quarto penso em nós e apenas consigo vislumbrar dois seres em contínua guerra. Não existem vítimas nesta briga, ambos somos agressores. Ambos tínhamos no bolso as pedras que continuamente atiramos. Nenhum dos dois quis mudar. Mudar era sinal de piorar. O meu orgulho assumiu o comando, a tua prepotência ganhou força e voz. Transformamos o nosso mundo num campo de batalha. Hoje estamos de novo a caminhar em estradas distintas. Gosto de ti e sei que gostas de ouvir quando o digo. Evito faze-lo. Mas não penses que seja por orgulho…é apenas a forma que tenho de dizer para mim “ basta, não vais mais sofrer”. Não consigo dizer amo-te quando olho para nós porque deixei de acreditar em nós dois. Desiludiste-me mas sei que eu também deitei por terra a imagem que julgavas que eu era. Uma personagem criada pelo teus sonhos e desejos que na realidade nunca existiu. 
Nunca tivemos filhos, não tivemos uma casa para dividir uma partilha, não tivemos sonhos sonhados a dois, nem tão pouco tivemos a cumplicidade de fazer amor por horas nas tardes de chuva de Inverno. Nunca nos perdemos no tempo em risos e sonhos mesmo que impossíveis de serem alcançados. Nunca me entendeste. Nunca te percebi. Ambos tivemos as mãos cheias de nada….e eu queria tantas coisa na vida. Mas não posso exigir…nem de ti, nem tão pouco posso exigir de mim. Queria-te perto de mim, o teu abraço, o teu beijo, o calor do teu corpo…mas na realidade é só isso que me podes dar e não é suficiente. Nunca será. Um abraço precisa ter carinho, cuidado, calor. O olhar tem que carregar um mar de afecto, amor, desejo. O beijo e o toque tem que arder e depois proteger. As palavras têm que acalmar a dor com suavidade e ternura. As lágrimas devem ser secadas com um sopro do coração. Nada ficou. Resta-nos o vazio, os despojos de uma guerra sem vencedores!..

FUI EMBORA


Não trago mais saudade, fui embora!
As lágrimas esqueci e os silêncios do meu ventre
ficaram num barco partido à deriva dum sol esquecido
... estou ausente do teu mar
fui chuva na despedida
e agora, vento solto!

Não trago mais saudade, fui embora!
Minha alma, pendurou o suco das tardes
e dos medos, inquietas quimeras de tambores
arrastados por sons acumulados
no tempo da minha mente...
... não trago mais saudade, fui embora!

Se continuares à minha janela, já lá não estou!
Meus sentires foram seiva pelo meu corpo a dentro,
fui o que fiz e fiz de mim meu pensar
e das ingénuas tréguas, queimei longas tardes
esqueci de mim por ideias da tua presença
não trago mais saudade, fui embora!

Silenciei pássaros de longe alcance
dentro do peito cantei-os, dia e noite
dos meus poemas acendi velas,
sustentei caricias e voei
voei num veleiro distante do teu fogo...
... isso é amor?

O perfume que me vestiu, não sabes
mas foram singelas estrelas cadentes...
... acolhi-te em cada uma delas
como espartilhos e notas de musicas suaves
não trago mais saudade, fui embora, parti!
Parti também o desespero da velha guitarra
e das cordas dos meus momentos,
deambulei pelo grito da vida para ouvir-te num eco, 
mas nunca te ouvi!
Por isso fui embora...
... a saudade não trago mais!

O espírito que me embarcou não é meu, aprendi!
Do frágil da amargura fiquei cansada
e da palavra que nunca chegou, despi tuas flores
que murcharam de fantasia...
... posso imaginar-te nas letras que vou sonhando
... posso sonhar-te nos dedos das palavras que calo
mas querer alcançá-las, não quero!
Não trago saudade, moldei meus vestidos e fui embora!

As pétalas dos sonhos que construí nos meus cabelos
fizeram das cerejas armas
e os perfumes permaneceram duvidas.
Porque derrubaste-me em explosões de afectos
dentro da prisão do teu jogo
senti cada dardo jogado
como anfitrião castigado
e do divino que fui guardando em beijos ternos
troquei mares revoltos por mares ansiados
... nunca vi luzes azuis!
Nem violetas salpicadas de cor...
... só vi sombras dilaceradas
e ternuras ávidas, sem sabores!

Meus textos são mais amáveis? Agora não!
Não trago saudade, fui embora!
E nem o cheiro do meu imaginário
me há-de castigar mais!
Esqueci-me do mar gelado, que morreu,
por isso parti, 
fui embora para não matar meus desejos
nem meu extasie poético que se transformou...
fico na fé declamada
e se me quiseres lembrar, terás teu silêncio
a ouvir aplausos que nunca me deste!


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

ADEUS


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.



Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.



Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.



Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.



Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.



Adeus.

Eugénio de Andrade