quarta-feira, 22 de junho de 2011

Desperdicio


Como foi que a vida me tornou tão amarga, tão fria? Em que momento os meus olhos perderam o brilho, o meu coração congelou e as minhas palavras se tornaram uma espada afiada? Ainda me lembro de mim quando olho a imagem que se esconde atrás do espelho… outrora quando o meu cabelo ainda dançava ao ritmo do vento, quando os meus olhos brilhavam e o meu coração batia suave em meu peito. Antes havia açúcar caramelizado nas minhas palavras. Um dia já fui uma profissional brilhante, um ser humano muito especial para alguém. A culpa é das saudades dizem uns, a culpa é do amor dizem outros,  a culpa … a culpa é só minha… digo eu. Ninguém escolhe quem ama, porque ama, ou quando deixará de amar, mas a vida encurralou-me num triângulo das bermudas que lentamente me destruiu e perante o qual era impossível lutar e ganhar. Eu…eu sou apenas humana, com defeitos, imensamente imperfeita e sem a capacidade de entender os porquês…
Conheci de perto a dor provocada pelo abandono, pela frustração de um sonho que ficou por viver, o desespero de um coração ferido que secou com o tempo.
O que esse amor fez comigo… não me reconheço…Passo os dias a rebobinar a cassete dessa relação que só me fez mal. Que desperdício de vida! Quero de volta o meu eu genuíno, os meus filhos querem de volta a mãe carinhosa e atenciosa, o meu trabalho quer a minha dedicação. Onde estou eu? Que entidade é essa que se apossou de mim como um espectro e não me deixa ser feliz, não me deixa viver? O amor é o mais perigoso sentimento que podemos viver. Quando se vira do avesso, se não formos fortes e sensatas o suficiente, destrói-nos a essência. Corrói tudo de bom que existe à nossa volta, deixa-nos cegas para tantas manifestações de afecto que gravitam à nossa volta, pois só temos olhos para um amor que se foi, para um amor que não vai voltar, para um amor que nunca existiu, para um amor que fechou aquilo que fomos e o que viveu connosco numa caixa… e atirou a chave ao mar.

Divorciados Anónimos


Toda a gente nos dá pancadinhas nas costas e nos diz «-É pá, isso vai-te passar num instante», como se estivéssemos com uma constipação. Mas um divórcio tem mais a ver com um fundo alérgico permanente do que com um estado inflamatório agudo. Primeiro, porque numa reacção condicionada, ficamos alérgicos ao casamento. E depois, porque as pessoas ficam alérgicas a nós. E ficamos de fora nos jantares de casais, nas férias de casais, nos fins-de-semana de casais. Somos um número ímpar, que não serve para nada, nem para desempatar. O mundo está pensado a dois, quase tudo funciona aos pares, desde a volta da Roda Gigante até aos prémios de viagens. No Natal sentimo-nos avulso e nos casamentos sentimo-nos deslocados, olhamos para os noivos e pensamos secretamente: coitadinhos, ainda há-de chegar o vosso dia.
Mas nem sempre tudo é mau. Se uma pessoa se divorcia, em princípio, é para se ver livre de um chato ou de uma chata qualquer. É para mudar de vida, e quando se muda, espera-se que seja para melhor. As mulheres encurtam as saias, vão para a ginástica, pintam o cabelo e passam a guiar com a música aos gritos e a janela do carro aberta, porque, citando um amiga minha que é uma sábia nestes assunto do coração, o príncipe está em toda a parte. E eles, os sapos candidatos a príncipes que regressam à arena, alugam um apartamento pequeno numa zona in, adquirem uma aparelhagem XPTO e um sistema de TV, DVD Video & Colunas Sensoround Inc. e compram um descapotável. É um clássico. Os que não andavam no ginásio, inscrevem-se (…) E, depois de um período de tristeza e neura, recomeça a caça.
Há quem nunca levante a cabeça e saia definitivamente da pseudo penumbra pós traumática de ter a abreviatura Div. no BI. Porque é que não imaginam que Div. também pode ser abreviatura para divertido, diversificado, diversão? Os ex inconsoláveis são a raça mais chata do mundo, porque ou ficam neuróticos e incapazes de se entusiasmar com qualquer outra pessoa, ou decidem vingar-se no próximo ou próxima o mal que sofreram. Nestes casos, o melhor é guardar distância e esperar que lhe passe a estupidez. A alguns nunca passa, mas isso é problema deles. E depois há aqueles que gostam imenso de se casar e por isso não descansam enquanto não encontram um para que também goste de praticar o mesmo desporto. Os que gostam de se casar estão sempre safos, porque como geralmente as mulheres também ligam muito a estatuto, encontram com facilidade uma consorte. Mas estes são poucos, porque uma coisa que se descobre depois de levar com o carimbo do div. no BI é que se pode namorar até ao fim da vida, sem ninguém ter que se casar outra vez. Só a trabalheira que dá, a festa, os convites, a roupa, a data, a lista, não compensa o esforço. Até porque quem casa segunda vez não se pode ter esquecido do trabalho que deu o divórcio. E quem é que disse que o casamento é o primeiro passo para o divórcio? Um cínico qualquer que também era lúcido.
Se a vida te dá limões, faz limonadas. Isto foi o que me ensinou uma amiga minha que já fez imensas limonadas com os limões que o marido lhe foi dando ao longo da vida. Quando lhe perguntei porque é que com tanta tourada nunca se tinha separado, respondeu que não valia a pena porque eram todos iguais e além disso ela achava que ele era a metade da laranja dela. E não pensem que se trata de uma engenheira agrónoma, gosta é de fruta. Esta conversa da metade da laranja sempre me deixou um bocado confusa. É que hoje em dia somos tantos biliões, como é que eles lá em cima têm tempo para separar as almas? E se a minha metade estiver em Laos, tiver a pele amarela, um metro e vinte e nove a trabalhar na apanha do arroz?
Agora a sério, depois do divórcio fica-se com um certo medo de não voltar a acertar. E por isso, na maior parte das vezes, é melhor não arriscar. Estar casado não é um estado civil, é um estado
de espírito e estar divorciado que é como quem diz, solteiro, também é. Até porque como hoje deve haver mais divorciados do que casados, o estigma já é muitas vezes ainda estar casado. As pessoas perguntam por um amigo que não vêm há anos: fulano de tal ainda está casado? Como se se tratasse de um feito histórico com direito a condecoração.
O exercício que se propõe aqui é o seguinte: uma pessoa tem ou não feitio para estar casada? Uns sim, outros não. E os que não têm, não devem ser dementes e repetir os mesmo erros à espera de resultados diferentes. O problema é que os homens, que pensam que não têm, quase sempre não passam sem uma mãezinha que lhe ponha a vida em ordem. E as mulheres, mesmo as mais independentes, sentem a falta de alguém que lhes aconchegue os lençóis à noite e pendure os varões das cortinas novas do quarto das crianças.
Resumindo e concluindo, se calhar andamos todos a brincar às pessoas autónomas, quando no fundo no fundo adorávamos encontrar alguém que gostasse mesmo de nós e para quem nós fossemos mesmo importantes. A tal cara-metade ou metade da laranja que às vezes nos sai cara. Vai uma limonada?

Margarida Rebelo Pinto

Sinto falta...



A noite caiu e é nestes momentos em que o silêncio me envolve que sinto a falta de pequenos grandes nadas como compartilhar o meu mundo com alguém que realmente me conhece, que não precisa das minhas palavras para sentir o que me vai na alma, que não precisa que eu peça porque sabe sempre o que penso… que não precisa do verbo... para fazer a vontade. Fazem-me falta coisas tão pequenas como saber como estou, o que comi, como me sinto, como é a minha vida, o que ganhei e o que perdi, o que conquistei e onde fui derrotada… Sinto falta de ver reconhecidos os meus sacrifícios, que interprete os sinais da minha amargura pela profundidade das minhas olheiras, da indagação das minhas preocupações, visíveis na falta de brilho dos meus olhos, da compreensão do motivo das minhas noites de insonia. Sinto falta da partilha das alegrias diárias que fazem com que a vida valha a pena, da partilha de banalidades, que não acrescentam nada aquilo que sou, da partilha de desilusões, de medos, e de chatices que  doem mas que me fazem crescer. Sinto falta da palavra certa, no momento exacto, bem como, do reconhecimento que há momentos em que no silêncio se diz tudo.