domingo, 11 de março de 2012

FlashBack – Retroespectiva




O fechar de um capítulo aproximava-se à medida que as caixas iam sendo fechadas. O correr da fita sobre o cartão é como se estivesse a enclaussurar tudo o que viveu, tudo o que aconteceu nos últimos anos. Uma nova etapa estava a começar, em outro lugar, com mais luz, mais paz, mais harmonia. Decorreram mais de quatro anos nos quais aprendeu e conheceu um mundo mais sombrio e cinzento, onde os príncipes não existem e as princesas são uma miragem criada pela mente. Um mundo no qual o amor é um mero nome para designar um outro qualquer sentimento que em nada se assemelha aquele que ela conhecia.

Ainda sente a dor no rosto, mas mais do que fisicamente a dor no peito e na alma a sufoca. Não consegue chorar, não consegue mais sentir algo de bom. Só uma necessidade de fugir dali, de desaparecer, de apagar da memória tudo o que viveu, tudo o que viu e tudo o que sentiu. No dia seguinte irá acordar sem o som dos carros, sem o cheiro a escape, sem sentir que está a mais num lugar que não lhe pertence.

Coloca a caixa no corredor. Um último olhar sobre os cómodos da casa. Há medida que a hora se aproxima um misto de angústia com alívio toma conta dela. Os últimos dias foram calmos. Sem discussões, apenas curtas frases trocadas, dormindo em zonas distintas, sem contacto algum,apenas o básico. Já nada havia a dizer. Ele saia de manha para trabalhar, há noite fechava-se no seu mundo e tudo continuava igual apesar das mobilias estarem desmontadas e existirem caixas empilhadas em todo o lugar. Já tudo tinha sido feito e dito. Já nada restava.

Ali sosinha, enquanto guardava o que ainda faltava arrumar na mala as lembranças dolorosas teimavam em assombrar-lhe o pensamento. Queria que tudo tivesse sido um pesadelo, que lhe deixava uma profunda tristeza misturada com desilusão, e que de um momento para o outro iria acordar.

Todas as suas dúvidas, todas os momentos em que chorou sosinha sem que ele a visse, sem que soubesse sequer que ela chorava, toda a dor que sentiu em cada palavra, toda a angustia que a sufocava diariamente ao ser trocada por outras, contra as quais ela não podia lutar pois era demasiado insignificante para ganhar essa batalha, tudo isso era bem real. Tinha sido uma guerra inglória. As armas que tinha eram demasiado fracas. Ela perdeu, deixou-se vencer. O seu corpo e o seu coração já não tinham mais forças.

Tantas foram as noites sem dormir em inumeras tentativas para encontrar os motivos que fundamentassem o que se estava a passar. Tantas e tantas vezes que chorou sosinha no sofá da sala. Ele nunca percebeu a sua dor. Ele nunca quis saber das feridas invisiveis que lhe causava. Trocou o amor por algo bem menor e em cada dia passado a distância entre eles foi aumentando.

Ela nunca conseguiu chegar a ele assim como ele nunca conseguiu chegar a ela. E o amor que ela sentia ficou fechado numa caixa tancada com correntes e jogada no fosso que ambos contruiram. Ele nunca soube da falta que ele lhe fazia, da vontade de estar nos braços dele, do desejo contido, das palavras silênciadas pela mordaça que ele própria colocava. Ele nunca percebeu que trocou o sonho por um tenebroso pesadelo.

Há pessoas que não foram feitas para estarem juntas, para constituirem uma familia, para tomarem o café da manhã, para mostrarem  à outra através de acções o quão importantes são, o quanto a amam. Existem pessoas que não conseguem estar sós com alguém porque  adoram a sua própria solidão.

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