Em outros tempos que a memória guardou, em imagens desfocadas com laivos de imensa clareza, a vida, era para mim, um lugar de verdade, de certezas, de sorrisos e de sentimentos verdadeiros e puros como a água cristalina que brota da fonte, ainda não conspurcada pela maldade, pela mentira e pela hipocrisia.
Esses tempos guardo-os como quem guarda um tesouro. Hoje os sonhos cor-de-rosa são mera miragem. Tenho em mim a escuridão de um mundo sujo, cruel, impregnado de maldade e egoísmo. Vesti a armadura de ferro, coloquei a mascara e assim me misturo no meio da multidão.
Respiro a hipocrisia e a mentira que paira ao meu redor. Rostos de candura que exalam ternura, verdade, sentimentos. Mas lá no fundo existe apenas um eu impostor. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez.
Esconde-se no rosto o crime latente, coloca-se açúcar no veneno, apaga-se o rasto dos caminhos obscuros percorridos. A premeditação indefinida de uma acção ruim. Esconde-se a qualquer custo os pensamentos mais negros e assim se vive enganando continuamente, não sendo jamais quem é, criando ilusão.
Já deixei de me perguntar porquê, de tentar entender, de querer mudar a essência. Sinto a revolta que por vezes não contenho e dispara em relâmpagos por entre os lábios.
Vil hipocrisia que corrói, que engana e decepciona, entre palavras doces e amargas, entre actos e gestos que se escondem, entre o que fingimos querer e o que desejamos na verdade.
E assim se adopta a hipocrisia ou qualquer outra mentira como “meio de vida” e assim se aumenta a confusão do ego, perdendo a fé em nós mesmos, perdendo a fé alheia, aumentando as sombras do mundo...